O Papel das Instituições de Ensino na Sociedade: Patogênico ou Profilático

O tema não é novo. Existem muitos escritos a respeito. Contudo, sempre são bem-vindas reflexões mais apuradas do processo educacional, especialmente em um momento histórico no qual predomina uma pandemia de grande escala que atinge as estruturas educacionais, seus professores, alunos, pais e responsáveis.

À primeira vista, a dogmática pedagógica pode se resumir ao relacionamento professor-escola-aluno, pautado na transmissão de ensinamentos previamente determinados, segundo padrões legais e consuetudinários da instituição de ensino. Relação aparentemente simples, haja vista que o professor está ali para transmitir determinados conteúdos escolares definidos pela coordenação pedagógica, e o aluno, pacientemente, para aprender. A escolha do método e o planejamento da grade curricular de matérias não variam muito de escola para escola, e observam as competências intelectuais dos professores e aprendizes.

Observações mais apuradas revelam, porém, que a educação escolar é assim apenas na aparência, na medida em que as questões objetivas, como, por exemplo, métodos, planejamentos, conteúdo das matérias etc., são o que menos importa no ato de “educar”.

É importante ter presente que a aprendizagem, de um lado, possui componentes inscritos no campo do intelecto, mas também toda uma carga emocional e afetiva, em grande parte inconsciente. Os universos psíquicos do professor e dos alunos estão em constante tensão, ainda que não consciente e revelada.

 

  1. Freud não se dedicou a analisar a escola e o trabalho do professor, especificamente, embora tenha abordado questões relacionadas a educação em alguns de seus escritos.

Desde os primórdios da Psicanálise, a educação despertou o interesse de Freud e posteriormente seus sucessores fizeram com que as questões eminentemente educacionais assumissem formas diversificadas.

Já na década de 30, refletindo sobre os métodos de ensino, Freud apresenta a prática educativa como um ofício impossível, assim como analisar e governar. Impossível pelo fato de nenhuma formação ser suficiente para que ela seja corretamente exercida. Para Freud, a Educação é uma arte. E como tal, escaparia a qualquer processo de aprendizagem. Razão pela qual, educar faz parte do rol de profissões que exigem do sujeito “algo a mais”, que nenhuma instrução formal e nenhum entendimento consciente são capazes de produzir com efeito.

Como se vê, são desafiadoras as reflexões sobre o papel da escola na contemporaneidade.

É preocupante perceber que muitas crianças e jovens não estão satisfeitos, nos dias de hoje, com seus currículos e instrumentos de ensino. Aceitam cada vez menos as práticas sempre mais mutiladoras das suas forças vivas e acabam por engrossar as categorias de disléxicos, discalcúlicos, deprimidos, inadaptáveis e atrasados escolares. Expulsá-los é mais fácil do que acolhê-los, ouvi-los e entendê-los. Por outro lado, uma legião de pais sofre de angústia do “futuro” – querem impor a compulsão dos deveres obrigados, das lições engolidas, decoradas e exaustivas, vangloriando-se das boas colocações dos filhos, ou, contrariamente, se revelam deprimidos com suas baixas notas e desempenho.

A escola é a sociedade, mas o que se esperar do nosso sistema de ensino, na medida em que as crianças chegam sãs de corpo e espírito, por volta dos três anos à escola maternal e são frequentemente traumatizadas, e tantas vezes empobrecidas da espontaneidade criadora que é o essencial do ser humano, para se verem fantasiadas de robôs disciplinados e tristes, amedrontados diante de professores que deveriam lhes prestar serviços.

A escolarização obrigatória não tem sido capaz de tirar o melhor das crianças e jovens. Salvo raras exceções, a escola tem sido um caldo de cultura para neuroses, competições exibicionistas e lugar de frustração.

Crianças que têm uma estrutura familiar sadia, muitas vezes encontram sistemas educacionais massacrantes, nos quais sua criatividade, dons, talentos e curiosidades são, de tal forma, desconsiderados que não tardam a apresentar desordens secundárias, às vezes graves, causadas pelas escolas.

Muitas crianças, que ainda não conseguiram sua autonomia e independência frente a pais angustiados, acabam trituradas nas escolas, cujas engrenagens não possibilitam atender às demandas dessas crianças, e os professores se confundem com os pais.

Entregue aos seus próprios instintos, as crianças acabam lutando sozinhas contra sua solidão e angústia.

Não há dúvida do papel fundamental que a escola desempenha na contemporaneidade.

Pais e cuidadores sobrecarregados, estressados, altamente demandados precisam das escolas, cada vez mais complexas, multilíngues e caras, para compensar a carência educativa familiar. A escola, diante dessa realidade, procura oferecer uma instrução formadora social tomando por base a maioria, e desconsiderando as individualidades e, pior ainda, os gritos de alarme de crianças e jovens.

O déficit de atenção, carinho, cuidado e escuta dos pais, associado, muitas vezes, a quadros patogênicos, atingem em cheio as escolas.

É preciso que as instituições de ensino, pelo menos uma boa parte delas, percebam a necessidade de rever suas estruturas de aprendizagem e currículos pedagógicos, muitos deles voltados a submeter as crianças e jovens a uma vida escolar absurda, desgastante, longe da realidade e necessidades de suas vidas, gerando distúrbios precoces de adaptação social e sentimentos de falta de (auto)estima, confiança e consciência de si e do outro.

As escolas precisam corresponder às imagos sadias das crianças e jovens que, muitas vezes, em família, só encontram apoios falhos.

Quantas energias sufocadas ou desperdiçadas inutilmente e que poderiam ser deixadas em liberdade, com um sistema de ensino que confirmasse em vez de infirmar o livre acesso às iniciativas e às curiosidades inteligentes dos futuros cidadãos, que os formasse para um domínio para eles mesmos, carregado de sentido, que privilegie suas capacidades, por meio de conhecimentos e técnicas adquiridos por desejo, e não por obrigação ou por submissão perversa ao medo das sanções e imperativos dos pais e professores.

Um trabalho de profilaxia mental passa necessariamente por um olhar apurado sobre as instituições de ensino contemporâneas, caminho no qual a Psicanálise (pedagógica) pode ser um farol.